A viagem e a fuga do sofrimento

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Aprendi na estrada que não é possível fugir do sofrimento. Por mais longe que se vá, o sofrimento é um companheiro fiel, está sempre comigo, afinal ele está dentro e não fora. Não é muito poético dizer que as viagens são fugas, mas fui percebendo isso quando olhava para dentro, quando observava como eu estava.

Houve um tempo que dizia que o equilíbrio na minha vida era como andar de bicicleta, eu precisava estar em movimento. No ano passado, quando eu estava no CEBB (Centro de Estudos Budista Botsatva) percebi que era bom ter movimento, mas a minha liberdade só seria alcançada se eu pudesse escolher estar em movimento. Para poder escolher, a outra opção seria ficar, passar mais tempo e manter o equilíbrio sem tanto movimento, sem tantas distrações.

De certa forma eu consegui. Fiquei 1 mês e meio lá, fiquei bem, aproveitei, fiz amigos, li bastante, recebi a visita da minha mãe. E por mais incríveis que fossem os dias lá, sem a meditação eu não teria ficado. Não foi o ambiente nem as pessoas que me ajudavam a manter o equilíbrio, foi a meditação.

Segui viagem, fui pro Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Bolívia… Fui meditando e fazendo yoga. Tudo mudava. Viver sem dinheiro é assim, você acorda e não sabe onde vai conseguir chegar naquele dia de carona, não sabe se vai conseguir a carona, nem o que vai comer, nem qual será sua próxima casa, seu próximo trabalho. Nada permanece igual, nem eu mesma. Um dia de bom humor, outro mais ou menos. Nesse movimento toda a minha rotina eu que definia. Começar o dia meditando e fazendo yoga me fazia muito bem, sentia muita falta nos dias que não praticava.

Acabei voltando pro Brasil mais duas vezes. Uma para estar com a minha mãe e outra porque estava doente. Na segunda volta pra casa tinha perdido minha prática. Estava muito fraca, magrinha, passando mal…. sem conseguir meditar, fazer yoga. O resto tudo estava bem, sabia onde ia dormir, várias opções, sabia que podia comer o que eu quisesse, sabia onde chegaria no fim do dia. Toda essa ‘’segurança’’ nada significava para meu equilíbrio, sem a pratica interior, o mundo externo por mais agradável que seja, nunca é suficiente.

Mundo externo e mundo interno em constante conflito e desequilibro, brigando entre si e eu mesmo sabendo o caminho, mesmo sabendo como voltar, não tinha forças pra me disciplinar, parar e meditar. Foi por isso que decidi fazer o Vipásssana, retiro de 10 dias, em Miguel Pereira.

Fui achando que estava equilibrada, já que minha vida está boa. Cheguei lá querendo levar a vida com mais leveza, me livrar do egocentrismo, ter mais lucidez no dia a dia. Quanta pretensão. Após esses dez dias vejo o quão distante estou disso, ao mesmo tempo nunca estive tão perto, pois a distancia só diminui quando damos o primeiro passo. Dei alguns passos nesses 10 dias. Momento a momento fui tendo vitórias internas.

Ficar em silencio foi a parte mais fácil, sem o silencio não poderia ter me conectado comigo. Meu desafio era acordar cedo e tentar o melhor possível pra meditar 11 horas por dia. Estar presente o tempo inteiro e observar meu corpo, minha respiração, minha sensações. Depois de 26 anos falando, pensando, reagindo, ficar 10 dias tentando para, silenciar, observar. Mudar profundamente hábitos de gostar e não gostar. Desejo e apego. Pensar, pensar e pensar. Quantas ideias geniais! E depois pensava: se eu praticasse metade dessas idéias minha vida seria bem melhor. E estava pensando de novo. Um caminho de luta e fuga. Lutava para manter minha atenção na respiração e nas sensações. A mente voltava a pensar e a ter idéias pra solucionar os problemas do mundo. Ela sempre estava no passado ou no futuro. E eu me esforçando pra viver o presente.

Grande desafio. Dia após dia. Acordava alguns dias pensando em desistir, meditava e melhorava. Era a mente de novo querendo estar onde não está. O eterno movimento de fugir do sofrimento. Me ajudava muito pensar no compromisso que tinha assumido com o curso, com a técnica e todas aquelas pessoas ali trabalhando para eu poder meditar. Me servindo sem pedir na da em troca, cuidando de mim como minha mãe cuidaria. Não podia desistir.

Foi muito bom ficar. No ultimo dia estava tão feliz e radiante por estar ali, de ter ficado comigo por tanto tempo. E por no final no curso de 10 dias, eu tinha experimentado profundamente o que eu havia descoberto 1 ano atrás no CEBB: viajar só não será um fuga quando eu puder ficar. Sim, eu posso ficar, posso viajar, posso fazer o que eu quiser. Mais uma vez reencontrei meu equilíbrio. O mundo externo nunca estará perfeito, ainda existe pobreza, guerra, conflitos, falta d’àgua… mas não tem como melhorar o mundo se não estamos bem. Estar bem é conseguir viver o presente, sem querer estar no próximo destino, sem querer viver de nostalgia.

Em 2012 sai de São Paulo porque não era mais feliz aqui. Voltei ontem para São Paulo, mesma cidade, com os mesmo problemas, mas eu estou feliz. Engraçado isso! O mundo externo não determina meu bem estar. Mesma cidade e duas sensações diferentes, isso acontece em anos de diferença, como também pode acontecer em dois minutos.

A fuga continua, ao mesmo tempo acabou. Fujo quando decido não meditar, luto quando paro por uma hora e observo. Fujo quando conto os minutos para fazer algo agradável, fujo quando fico divagando no passado. Luto quando paro e desfruto o presente. Depois de anos, pela primeira vez escrevo um texto inteiro. Nenhuma outra janela aberta. Por uma hora vivi o presente nesse texto. Não quis tomar café, nem ir ao banheiro, o celular foi ignorado. Espero continuar assim, viver o presente. Desfrutar do texto, desfrutar da minha próxima hora meditando.

Deixo aqui minha gratidão ao CEBB que tem me guiado no caminho da meditação. Ao Vipássana e ao Goenka por ter me dado essa oportunidade de experimentar 10 dias meditando. Aos caminhoneiros e motoristas e me levaram até a sede do curso. E aos milhares de alunos do Vipássana que através de suas doações tornaram possível que o ensinamento chegasse ate mim.

Escrito no Morro do Querosene, 9 de março de 2015,
Carolina Bernardes

2 comentários em “A viagem e a fuga do sofrimento

    carolbernardes respondido:
    25 de setembro de 2015 às 15:22

    Vicky,

    Durante a viagem, da pra fazer muita yoga com as pessoas. Lembro no barco Belém-Manaus de fazer sempre…. e aos poucos outras pessoas que tinham vontade se juntavam e faziamos juntos. Foi bem legal. E agora vou praticando sozinha. O Taka me deu uns materiais pra ler e me orientou! 🙂

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    Victória Godoy disse:
    22 de setembro de 2015 às 0:40

    Obrigada por compartilhar sua experiência, Carol! Encaixou bem para algo que tenho me questionado em relação aos motivos da minha viagem, medos, coragem, etc…
    A yoga já está acontecendo na minha rotina e como sei que a meditação é um excelente caminho, depois do seu relato tive mais vontade de me dedicar a ela.

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