A viagem é uma construção social e política

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Hoje senti um pouco da distância do país que sou legalmente cidadã. Talvez por ter demorado a saber que a Dilma foi afastada (não achei que seria tão rápido), talvez por estar por fora da política do Brasil.

Viajando pelo mundo entendi que toda ação é política, se pego carona na Itália porque é europa, mas tenho medo de pegar carona na Tunísia porque é um país árabe, o nome disso é precoceito. Isso é política. A mesma que faz com que as pessoas morram pagando 55 vezes mais do que eu paguei para cruzar o mar mediterrâneo com total segurança e muito conforto.

Foi uma decisão política minha não usar dinheiro nem no Peru, nem na Bolívia. As populações locais já sofrem com as taxas cambiais que eu não concordo, a situação ideal para viver de trocas e viajar de carona. Pelo menos durante o tempo no qual estive lá, eu não fui rica diante da ”pobreza” de um país. Foi um gesto político. Porque economicamente, para eles não muda nada eu usar ou não o dinheiro. Mas confiar, esperar, oferecer e trocar, sempre muda. Construo outro tipo de relação!

Quando cruzei a Venezuela de carona em 2014, dormi no terminal, na praia, na casa de gente que conhecia pegando carona e fiz muitos amigos naquele país, eu entendi a diferença entre a ”ditadura” e a ”democracia”. A Venezuela teve uma ”democracia” sangrenta financiada pelo mesmo país que financiou tantas ditaduras na Nuestramerica.

Eu me afastei tanto da política durante minha vida, que acho que votei 2 vezes somente. Descobri recentemente que dos 513 deputados, só 36 foram eleitos diretamente. Pelo visto, não fazia tanta diferença votar ou não. Porém, nessas últimas semanas a diferença se fez notar. Estava longe da política. E a política nunca esteve longe de mim.

Ela diz quais países são seguros e quem são as pessoas perigosas. Não diz quem ganha dinheiro com guerras nem com tráfico, nem quais lugares a xenofobia e racismo são contidianos. Faltam as histórias de quem mata assinando contratos e recebendo dinheiro sujo. Dos governos que colaboram com ditadores e fazem contratos com países que desrespeitam os direitos humanos. O fato, é que não adianta fugir da política, ela nos segue onde vamos. Está na cor do passaporte, da pele e até no sorriso (ter um sorriso branco e bonito é uma questão de classe).

Hoje a Dilma foi afastada. Talvez pareça que é um dia triste, mas a eleição indireta de + 400 congressistas e todo o processo mediocre que tenho escutado e lido de longe, me parece pior. É uma depressão ladeira abaixo. Enfim, não adianta estar longe, a política chega até mim.

A história normalmente é contada por esses marcos, as viagens sempre me mostram que os marcos não mudam tanto as pessoas quanto os processos históricos. O povo venezuelano e boliviano que o diga, mesmo com tantos problemas, sendo tão mal-falados, me receberam de braços abertos. E não foi só a mim!

Viajar tem sido a minha construção política. Foi sendo hospedada em lugares sem saneamento básico que entendi o que a promessa significava, assim como aprendi o que significa descrença.

No dia em que um caminhoneiro culpou o bolsa família pela falta de prostitutas no nordeste, meu respeito pelo programa triplicou, eu finalmente o havia compreendido. Enfim, as mulheres estavam podendo escolher não vender o próprio corpo por qualquer miséria ou alimentar seus filhos. As histórias no nordeste são de emocionar. Assim como as da Bolivia e da Venezuela.

A minha militância não será temer o presidente, esse não vai mudar tanta coisa e vai passar rápido. Já os milhões de brasileiros, esses sim podem mudar muita coisa. Milito na crença de que a riqueza e o poder não tornam as pessoas boas. Assim como a pobreza não torna ninguém ruim. Porém, a ignorância e o ódio cego a qualquer partido, classe ou raça, isso sim torna o mundo pior.  Esse é o mundo pelo qual viajo, um mundo cheio de ignorância, classismos e preconceitos. Ao mesmo tempo, um mundo tão lindo onde dividimos a comida, a água e o teto. Onde uma família desconhecida abre as portas para mim.

A política do dia a dia é um mundo de constrates, um mundo que vai além de um partido, de uma eleição. É a escolha de quais empresas eu concordo em trabalhar e quais eu vou contribuir com dinheiro. É ver que além das disputas das narrativas em época de crise política, existe a ausência de atitudes reais. Ao ver a democracia ameaçada, do outro lado do atlântico eu me pergunto – o que é a democracia? E ai me lembro do caso do bolsa família e fico com receio de andarmos para trás.

Como será a minha próxima viagem pelo Norte e Nordeste do Brasil? Quantas famílias e crianças terão sido afetadas pelo zica? Quantas terras indígenas terão sido demarcadas? Será que a prostituição infantil terá acabado? O saneamento básico existirá para todos? Terão sobrevividos os pobres as olimpíadas no Rio?

Não sei. O que sei é que por causa da política e ao mesmo tempo independente da própria política, aquelas pessoas vão estar lá, sendo o que sempre foram, compartilhando o que puderem. Eu vou continuar querendo ser tão generosa quanto elas, que compartilham tudo que tem.

Por hora, sigo pelo mundo, com meus projetos e sonhos, tentando construir ambientes mais colaborativos e justos. Me sentindo distante da política brasileira, tão distante quanto estamos de eleger um congresso de forma democrática e direta, ou de me sentir representada pela Dilma.

Celle de San Vito.

Em que você acredita?

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Abrimos a Open Oca, residência criativa, e estamos em busca de pessoas que acreditam em si. O grande desafio de não ter chefe, nem ter contas para pagar. Chegar em Celle di San Vito e poder trabalhar em paz no seu próprio sonho.

Criar um ambiente propício para as pessoas trabalharem é um desafio, planejar uma rotina agradável, oferecer momentos coletivos e prazerosos nas refeições, assim como ter práticas de yoga, meditação e momentos para que o grupo interaja, conhecendo outros projetos e mostrando o seu. Enquanto idealizamos isso, apareceu uma questão: o tempo!

Retirada da internet, não encontrei a fonte.
Retirada da internet, não encontrei a fonte.

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Quando surgiu a disponibilidade da casa, eu pensei que dois meses era pouco tempo para alguém parar e investir em si mesmo, mas como a possibilidade da casa é por esse tempo, topei para não perder a oportunidade. A minha grande surpresa tem sido me deparar com pessoas que acham um mês muito tempo. Dois meses uma eternidade. Se posso trabalhar onze meses no projeto da empresa, porque vou trabalhar menos no meu próprio sonho?

No ano passado fiz o Vipássana, lá entendi porque eles exigiam ficar os dez dias, que na verdade eram onze dias e dez noites. Para encontrar a tranquilidade da prática meditativa é necessário uns dias, foi criado todo um processo para meditar. Desde criar uma rotina com horários, acostumar o corpo, conhecer o ambiente. Mesmo num lugar em que mantínhamos o silêncio para nos ajudar a acalmar a própria mente, ela continuava a mil.

A residência creativa é um lugar diferente, não tem regras estritas como um retiro de meditação. Um lugar no qual não haverá orientação do caminho, pois são sonhos diferentes, buscas diversas. De qualquer maneira, é preciso tempo. Por isso é importante que cada um tenha objetivos claros quando chega vem pra residência, para não ficar perdido, saber o que está investindo e qual o retorno que espera.

Existe um tempo para a chegada do residente, para ele conhecer a cidade, as pessoas que estão na casa, se acostumar com o tempo, vento, frio, e as vezes o sol. O corpo irá aos poucos se acalmar, para enfim poder olhar para si mesmo, conectar com o próprio projeto e trabalhar.

Fico pensando qual o tempo necessário para alguém conseguir fechar um ciclo ou abri-lo? Não sei. O tempo é um mistério quando falamos de sonhos, podemos terminar um livro em alguns meses, anos ou nunca de fato terminá-lo. Será culpa do tempo? Diante de vários dilemas da modernidade, do ciclo vicioso entre trabalho, casa e diversão, que tempo dedicamos aos nossos projetos?

Em fevereiro me emprestaram uma casa na Tunísia onde eu pude sentar e escrever, fiz dela minha residência criativa. Prometi para mim mesma que só sairia de lá quando terminasse de escrever o livro, assim fiz. O livro não ficou pronto naquelas três semanas, mas organizei tudo o que já tinha escrito, escrevi todos os capítulos e fiz duas revisões. Ainda estou em dúvida de muitas coisas, até mesmo tem hora que penso, será que publico mesmo?

As duvidas e inseguranças surgem naturalmente quando trabalhamos em um projeto próprio, não existe chefe e nem somos obrigados a publicar naquele deadline. Não depende de ninguém aprovar ou reprovar, só de nós mesmos. Aí está a questão por trás da residência criativa- Eu acredito em mim? Esse projeto é bom?

Essas perguntas não se respondem com palavras, mas com ações. Se eu acredito em mim, porque não vou abrir a Open Oca e me dedicar. Se eu acredito no projeto, então preciso divulgar e ver se ele realmente funciona, colocar em prática. Bate uma insegurança? Claro. Porém, a única forma de criar projetos é arriscando, parando tudo (inclusive a volta ao mundo) e dedicando toda minha energia e meus recursos. É preciso apostar. Essa é a minha aposta!

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Qual é a sua aposta?

Vir para uma residência é acreditar em si mesmo, apostar no próprio potencial e dar uma chance pro seu projeto. Para isso é necessário investir o principal recurso, o próprio tempo. Dizer não para os outros trabalhos, projetos, família e amigos (por um período!). Sem investimento, nenhum projeto sai do lugar.

A Open Oca diz para o residente: eu te contrato por dois meses para você trabalhar no seu próprio projeto, te damos casa, comida e você colabora, se e como quiser. A sua única função aqui é trabalhar no que deseja e acredita. Estamos aqui para ajudar em tudo o que pudermos, mas a condição é – você precisa acreditar em si mesmo e no seu projeto. Precisa dar tempo para ele, provavelmente seu livro vai precisar de mais tempo que duas semanas, assim como seu plano de negócio pode demorar mais um pouco para sair. A única forma desses projetos serem realizados é através da dedicação.

Estamos aqui esperando os residentes de braços abertos. Acreditamos que todos podem investir seu próprio tempo e construir uma linda história com as próprias habilidades e nossa ajuda. Convidamos sonhadores, artistas e empreendedores a darem um passo, fazer sua inscrição e se preparar para trabalhar no próprio projeto. Acreditamos em você e queremos saber: no que você acredita?

Escrito com amor,
Carol
Num dia ensolarado em Celle de San Vito, Itália

A Casa dos Sonhos está virando realidade

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Já faz alguns anos decidi a minha aposentadoria seria criar uma residência artística, quando chegasse a maturidade, uns 30 anos… ou quando voltasse da viagem que nunca chega ao fim, como vocês deve ter percebido. Como a maturidade não está a caminho e a viagem está longe do fim… o acaso faz a vez.

A residência, que nem vai ser só artística decidiu aparecer antes. Em novembro conheci o Matteo pessoalmente, quando cheguei em Odermira. Já fazia uns dois anos que nos conheciamos virtualmente. Acabei ficando 10 dias na mesma comunidade que ele e foi uma experiência muito interessante rodeada de pessoas especiais. Foi lá que contei para o Matteo meu sonho de criar uma residência artística, a famosa casa dos sonhos.

Há um mês o Matteo me escreveu quando eu estava na Tunisia me dizendo que tinha a casa e me convidando para um grupo secreto no facebook chamado Comunidade La Rocca.

Fizemos um skype e ele me contou a história da casa, disse que estava disponível para projetos como a residência artística. Meus olhos brilharam. Eu estava em Gabes, terminamos o skype lá pelas 10 da noite, eu precisava dormir para viajar no dia seguinte até Matmata e Douz, de forma alguma consegui. A Ahlem já tinha pegado no sono e eu queria conversar sobre o assunto e não tinha ninguém ali. Fui pegar no sono lá pelas 3 da madrugada, nem assim parei de pensar na casa, agora voltava a sonhá-la.

Durante essa viagem, escrevi o projeto, enviei pro Palmas que me ajudou a colocar em palavras e com alguma ordem o que eu pensava que seria essa casa. Por fim, enviei o projeto pro Matteo.

Nessa altura, o Matteo tinha vários receios de como a casa funcionaria, como eu faria com o idioma e os desafios da captação de recurso. Mas depois de mais um skype, ele disse que era insegurança dele. E eu com toda minha confiança no mundo, segurei a minha. É preciso ser irracional nessas horas.

O detalhe da história era um só, eu não sabia como a casa estava por dentro. Por fora, parece um castelo, no alto de uma montanha com uma bela vista, por dentro era um desafio. O Matteo falava de pintar, conseguir móveis e eu não tinha a menor ideia se o lugar era ideal para a tal casa dos sonhos.

Confiei. Apesar de não sabermos, acreditei que valia a pena adiar minha ida pro Egito e voltar a Itália pela 4a vez para conhecer o Castelo, antigo mosteiro.

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De Tunis para Celle di San Vito

Dia 23 de abril embarco de Tunis para Palermo e começo a pegar caronas da Sicila até a Puglia, só paguei o 2,50 do barco para zruzar para o continente da ilha. Depois de umas 20 caronas e mais de 800km chego a Celle de San Vito às 8 horas da noite.  Por pura generosidade, o Don Michele, tio do Matteo, viaja os 30km entre Lucera e Celle para me receber e abrir casa. Achou incaeitável eu acampar. Nem ele nem eu sabia quando ia chega, nem por onde eu iria passar. Como estava muito frio, nevou nas montanhas perto e a sensação térmica de Celle devia beirar 0 grau, ele apareceu lá em menos de uma hora e me levou para comer uma deliciosa pizza na Fontanella, a maravilhosa pizzaria do vilarejo, com lareira e muita gente simpática. =) e dormi na casa. Nos dias seguintes a recepção continuou e fizemos vários passeio e pude conhecer a Maria, a sindica do paese (o que deve ser como o prefeito de um distrito no Brasil)

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Enfim, visito a casa, e percebo que com limpeza, organização e umas pituras, será uma perfeita residência artística/empreendedora para quem quiser sair do mundo virtual e curtir um tempo na montanha em um ”paese” simpático onde se fala franco-provensal. A população residente são 130 anciãos e no verão deve aumentar um pouco, no inverno, dizem que diminui bastante com o frio.

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Depois dessa primeira parte da história, tomei a decisão internamente de fazer a casa acontecer, comecei a pensar em como e nas minhas possibilidades e escolhia. Mas ali, estava sem internet e isolada do mundo, pelo menos nesses primeiros dias.

Minhas limitações eram:

  • Posso ficar na Europa por 3 meses – ou seja preciso sair até 24/07
  • A casa está disponível até 20 de julho quando começa a chegar a família Tangi e começam as reuniões de família.

O lado positivo

  • Com limpeza e organização a casa já fica muito legal
  • Tem muita mobilia, cozinha e até máquina de lavar (que ninguém sabe se está funcionando)
  • Tem vários equipamentos como data show, projetor e uma biblioteca.

Conclui que dava para fazer a casa com os recursos disponíveis, entre eles, todos os meus euros, que afinal, foram doações para meus projetos. Esse é um deles, isso de cara me livrou da captação de recursos e vai tornar a casa acessível (não é um orçamento nada exorbitante).

Decidi entrar com o dinheiro da comida para os residentes e convidá-los a contribuir com a energia, que seriam 30€ (valor de uma diária em um hostel normal). Assim podemos deixar a casa funcionando. E quem não gostar da minha comida ou do cardápio vegetariano da casa, poderá utilizar a cozinha e fazer a seu gosto ou comer na Fantonella. Eu farei meu melhor, o que da um certo medinho, pegar a cozinha para mim. Acredito que vai aparecer mais gente para ajudar no quesito gastronomia: joguei pro universo!

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Entre as minhas mil buscas de host com internet e tempo para eu trabalhar, demorei 6 dias para chegar a Milão, lugar que desde ontem estou sendo maravilhosamente hospedada pela Elisa e com tempo pra trabalhar no projeto (inclusive escrever esse post), responder as pessoas e dormir. Um luxo! (Porque depois de  5 noites em 4 lugares diferente – 2 casas e 2 terminais – dormir em uma cama de casal, tomar um banho quentinho e desfrutar de uma boa pasta conversando com a Ellisa, é um sonho!) enfim, com calma agora, desfrutando da Itália enquanto trabalho.

Nesse 5 dias, que eu fiquei zanzando de um lugar a outro da Itália, conheci Bari, Veneza e Bologna e vim para Milão ontem para ficar os próximos 4 dias (nem quero fazer a conta da quilometragem… foi cansativo). Apesar de estar querendo sossego, foi Ganhei um presente enorme, a Pitty!

eu e a pitty
Pipa, agosto de 2015, Eu, amigo da Cintia, Cintia e a Pitty. =)

A Pitty é uma amiga recente, a conheci em Agosto na casa da Cintia quando estava em Pipa e acabamos nos tornando ”socias” no PRS – Programa Realização de Sonhos. Ela saiu da agência que trabalhava e se interessou em vir pra Itália. Conversamos quando eu estava trabalhando no blog da Open Oca e ela disse que queria vir. Fizemos um skype e no dia seguinte além de comprar a passagem para Itália e vir passar 3 semanas aqui, ela já estava a toda trabalhando no site – que já ficou profissional openoca.org

Enfim, uma delícia ter minha sócia amada embarcando nessa viagem comigo! O site foi feito com muito amor, já está é biligue (inglês e português) e o italiano está a caminho.

Na semana que vem volto a Celle com a missão de ir organizando a casa para os residentes chegarem, a abertura é dia 20/05 no meu aniversário! Uma felicidade só completar 28 anos realizando um sonho.

Em breve, vou contando mais do meu mundo aqui, em vez de ficar dando voltas, as pessoas que iram dar voltas no Castelo (apelido do antigo mosteiro) e vou ficar paradinha nos próximos meses até dia 20 de julho.

Se interessou pela casa? Quer ajudar? Conhece algum artista/empreendedor?

Site: www.openoca.org
Grupo no facebook: http://bit.Querly/Openoca_grupoFBTelegram: https://telegram.me/openoca
Para quem quiser saber mais do programa de residência: https://openoca.org/program/

Com ❤ e muita =),
Carol

Milão, casa da Elisa